2 de maio de 2007

Café c/Sentido - Vitor Fernandes

Vítor Fernandes, 26 anos, reside com os pais em Águas Santas, Maia, é draqueen/performer no Porto, intitula-se como “extrovertido, amigo dos seus amigos e o homem dos sete ofícios”.
Num local escolhido pelo artista, sentados na relva de um jardim e sob o sol quente Be Yourself entrevistou Vítor e através das suas palavras e relatos de vivências/experiências, chegou até Natasha Semmynova, uma figura emblemática da noite gay portuense…
Se não fosse por uma brincadeira entre amigos, Vítor jamais acreditaria que algum dia ía subir a um palco como draqueen/performer, servindo de corpo a Natasha Semmynova.
Decorria o ano de 1999 e há já algum tempo que Vítor Fernandes era cliente assíduo dos bares gay da Invicta. Lembra-se de ver os espéctaculos mas explica que “nunca nenhum me atraiu ao ponto de eu algum dia desejar estar em cima de um palco”. No entanto, um desafio de amigos (que elogiavam a forma como Vítor se expressava através da dança) fez com que
ponderasse essa possibilidade. Fazer um show de transformismo estava totalmente fora de questão, mas a ideia começava a tornar-se aliciante quando pensou na hipótese de fazer uma performance como dragqueen. Adorou pisar um palco, a primeira actuação foi inteiramente pensada e concretizada por si, maquilhou-se e comprou a roupa que usou. Assim, há já quase 8 anos, nasceu uma personagem à qual Vítor dá corpo. Personagem que com o passar dos tempos foi sendo aperfeiçoada e evoluiu no que concerne a maquilhagem, roupa e até os movimentos corporais. “É algo/alguém que está em constante evolução seja a nível teatral, cénico, de maquilhagem, atitude, etc…”

Meio ano mais tarde, a personagem ganha uma identidade. Ainda Vítor trabalhava no Moinho de Vento, quando outro performer (Sérgio – a “Xuxa”) lhe disse que já tinha um nome para ele… “Lembro-me que andei a noite toda a perguntar-lhe que nome era, eu estava mesmo ansioso. Entretanto estava eu no camarim e do palco chamavam uma Natasha Semmynova – não liguei – até que me dizem: Ès tu a Natasha Semmynova!!!” Assim a Xuxa ficou sempre como “madrinha” de espectáculo de Semmynova e Vítor chega mesmo a dizer que Sérgio foi o seu “mestre”, ensinando-lhe conceitos e segredos. “De todos os discípulos dele eu fui o único que se afastou do seu estilo e acabei por desenvolver uma linha muito própria” .
Vítor acaba por revelar que o nome Natasha Semmynova vem do Casino Royal, um programa da autoria de Herman José, e surge por ser fora de vulgar, mas ao mesmo tempo ser um nome que “fica no ouvido”.
Invulgar é também a personagem criada por Vítor: “Não é homem nem mulher, muito menos uma personagem estática…é algo agressivo!”


Apesar de ser Vitor o corpo de Semmynova, diz que em tudo são muito diferentes: “O Vítor obviamente que está sempre lá, os meus traços físicos e psicológicos ficam com ela. Mas assim que surge a Natasha, esconde por completo o Vítor. É uma mudança que se vê a um nível mais etéreo, algo que se sente e se ouve.”
O background de Natasha Semmynova está directamente ligado às suas vivências. Preocupa-se sobretudo em criar e desenvolver as suas emoções em palco tentando transmiti-las ao público que absorve de acordo com os próprios sentimentos.
Os transformistas com mais anos de carreira dizem que “o segredo de um bom transformista é conseguir fazer rir e conseguir fazer chorar”, Semmynova já conseguiu com apenas 8 anos fazer rir às gargalhadas com dois ou três números cómicos que tem, já conseguiu fazer chorar com baladas como a “Hurt” e “Fácil de Entender”. Já conseguiu também assustar nomeadamente com performances góticas como a “Exterminating Angel” dos The Creatures, que considera “uma música agressiva de carácter controverso entre performer e público”.

Uma das grandes preocupações de Semmynova, passa por se afirmar sempre como dragqueen afastando-se por completo do estereotipo de travesti “um transformista simula as formas femininas no caso de ser um homem, tenta aproximar-se da cantora que vai interpretar, eu tenho a minha forma de interpretar as músicas sem ser uma cópia, tento criar uma envolvência da personagem com a própria interpretação.”
O espectáculo de Natasha Semmynova prima pela diferença e Vítor tem consciência de que por ser tão invulgar tem dois tipos de público: os que o adoram, que quase o veneram, acham-no um Deus e cita “Semmynova é Deus!”, e os que o odeiam no sentido de questionarem o porquê de alguém estar estranhamente vestido em palco sem se parecer com nada nem ninguém.

No que concerne a parte estética e visual, Vítor revela que a roupa é maioritariamente feita por estilistas/ amigos, por vezes conjuga acessórios comprados em lojas banais. “Tenho ainda um grande amigo que é o João Paulo do PortugalGay, que me conhece bem e muitas vezes costura para mim e traz novidades que se adaptem às actuações. Quando quero algo mais elaborado procuro costureiros/estilistas a quem agradeço muito, pois estes prontamente se disponibilizam a ajudar”. A maquilhagem é sempre cuidada ao ponto de ser perfeita. É sempre uma maquilhagem artística e não de mulher, desenhando o rosto assemelhando-se a face painting.


O palco de Natasha Semmynova é o Boys ´R `Us Club, no centro do Porto, um bar de temática gay onde Vítor se orgulha de trabalhar: “somos extremamente hetero-friendly, gosto imenso de ver um público misto junto; apesar de sermos um bar gay estamos receptivos a quem vem por bem e gosta de se divertir; o Boys é um bar para pessoas e ponto final. Tenho muito orgulho em trabalhar, foi o primeiro palco que pisei e é uma casa onde me sinto extremamente bem, temos um patrão que compreende as necessidades de todo o Staff e há muita flexibilidade!”
Para além de trabalhar neste bar-discoteca, Vitor tem feito inúmeros trabalhos como animador/dragqueen, tendo actuado para diversos tipos de público acaba por confidenciar que gosta mais “de fazer espectáculo para o público gay e animação como dragqueen para o público heterossexual. O público gay é um pouco mais exigente nos detalhes (vestuário, maquilhagem, acessórios), enquanto que o público heterossexual aprecia a personagem no seu todo.”

O dia-a-dia de Vítor não se baseia apenas na preparação e concretização dos espectáculos como Natasha Semmynova: “ sou o homem dos sete ofícios, estou a tentar reingressar na Universidade para concluir a Licenciatura em Comunicação Marketing, Relações Públicas e Publicidade, faço trabalhos de maquilhagem, sou freelancer em web design e estou com ensaios semanais para uma participação como bailarino na ópera Cármen, que vai estar em cena no Coliseu do Porto em Maio (dias 15, 17 e 19). Consegui este lugar devido a conhecimentos do musical que fiz antes – RENT – e estou agora a fazer algo totalmente diferente, por ser mais dançável”.
Todas estas ocupações são necessárias para criar bases para o que Vítor pretende “Futuramente adorava dar aulas e ter uma agência de publicidade, de moda ou maquilhagem”. Quanto a Natasha Semmynova, tem consciência que um dia vai chegar a altura em que terá de colocar um ponto final mas agora prefere não pensar muito nisso revelando “acho que este é
‘O Momento’ da Semmynova! Cheguei onde sempre quis! Daqui para a frente ou é para manter ou para melhorar, se vir que não consigo uma dessas duas coisas, então serei consciente e direi: chega!”
Não bebe café, não fuma, não toma drogas e admite não ter receio de envelhecer pois tal como Nani Petrova lhe diz: “quando eu achar que não consigo mais, paro!” Para Vítor o limite é ter-se consciência de quando parar.
Um dos medos revelados por Vítor prende-se com as diversas fobias ainda existentes na nossa sociedade: “Estava em Lisboa quando soube da noticia da morte da Gisberta. Não a conhecia pessoalmente apesar de me ter cruzado com ela algumas vezes. Fiquei assustado, pensei: podia ser eu! (…) Aconteceu, infelizmente a um transexual, seropositivo, toxicodependente, agora cabe a cada um de nós manifestar-se acima de tudo por Seres Humanos que somos.” Vitor já fez a sua parte dando a cara, como artista, pela iniciativa Não Temos Vergonha da Associação para o Estudo e Defesa do Direito à Identidade de Género.

“Ao contrário de muitos comentários que injustamente as pessoas costumam fazer, não quero, nem nunca quis assemelhar-me a uma Mulher. Com todo o devido respeito por quem o faz, eu assumo-me como dragqueen/performer para criar uma personagem que não se ´cole´ a nenhum dos sexos. Tenho um orgulho enorme em ser Homem!”

Nas recordações de Vitor:
“Forever More” – Moloko (letra favorita);
“You Look So Fine” – Garbage (pela interpretação vocal);
“Fácil de Entender” – The Gift (“é uma prova de que os artistas portugueses conseguem compor boa musica, com sonoridade internacional e adoro a mensagem subjectiva da musica”);

Nas recordações de Natasha Semmynova:
“World Old On” – Bob sinclair (“pela minha participação no Porto Pride principalmente pelo valor desse evento que tem em vista ajudar financeiramente o Hospital Joaquim Urbano na Luta e Tratamento e Apoio a doentes com o vírus HIV”);
“Hurt” – Cristina Aguilera ( pelo guarda roupa e nostalgia transmitida pela actuação);

1 comentário:

Anónimo disse...

O que mais gosto nesta entrevista foi o estarmos sentadinhos na relva, a ver o tempo passar, e as palavras surgirem :)

Obrigado por tudo, já estão cá dentro ;)

Beijos e até breve*