3 de junho de 2007

Café c/Sentido - Dr. Fernando Mesquita

Fernando Eduardo Barreto Batista Mesquita, Licenciado em Psicologia Clínica e do Aconselhamento e Mestrado em Sexologia, é o responsável pelo Centro de Psicologia do Marquês e pela Policlínica do Areeiro.
Neste mês de Junho, Be Yourself apresenta a entrevista realizada a este Psicólogo/ Sexologista, que tem vindo a realizar um notável trabalho de apoio e aconselhamento à comunidade LGBT.


Qual é a sua filosofia de trabalho?
"Nunca ande pelo caminho trilhado, pois ele conduz somente até onde os outros foram."
Alexandre Graham Bell

Penso que colarmo-nos a teorias e filosofias de vida em nada ajuda na descoberta de nós próprios e dos outros…Sempre que tenho um caso novo, aprendo com essas pessoas e espero que elas aprendam comigo. A terapia é uma relação de aprendizagem mútua, nunca sabemos tudo.

Quando surgiu a ideia de alargar o seu trabalho também ao âmbito LGBT? E porquê?
Durante a minha formação académica, verifiquei que alguns dos meus colegas, “futuros técnicos de saúde mental”, não tinham a mínima sensibilidade ou conhecimento para lidar com a temática LGBT. Não podemos descurar que uma percentagem significativa da população, alargada a todos os ramos profissionais, tem apenas como referência da comunidade LGBT as atitudes homofóbicas ou heterossexistas que prevalecem na sociedade.
Mas, também, não podemos negligenciar que, tal como os heterossexuais, a comunidade LGBT necessita de profissionais que compreendam a sua forma de vida sem qualquer tipo de preconceito, pois, se o preconceito existir numa relação terapêutica, certamente esta estará condenada ao fracasso, uma vez que, mais cedo ou mais tarde, o paciente acaba por perceber que não está a ser compreendido na sua totalidade.

A sua ajuda é mais procurada por jovens ou adultos?
A faixa etária que procura mais os serviços de sexologia/psicologia está compreendida entre os 25 e os 34 anos.

E são maioritariamente homens ou mulheres?
Em termos percentuais existe uma maior procura por parte dos homens (cerca de 80% são homens).

Quais os principais problemas que levam as pessoas LGBT a procurar a sua clínica?
As pessoas LGBT recorrem aos serviços de Sexologia, geralmente, pelas mesmas razões que as pessoas heterossexuais. As questões da Ejaculação Precoce e da Disfunção Eréctil, nos homens e os problemas associados ao Desejo Sexual e ao Orgasmo, nas mulheres. Estes são os factores que se fazem notar com maior frequência. O tipo de intervenção terapêutico utilizado é igual, quer o desejo sexual esteja dirigido para pessoas do mesmo sexo ou não.
No entanto, existem situações particulares, como é o caso da falta de conhecimento sobre o “mundo gay”, associado aos estereótipos negativos que em nada facilitam quem se sente “isolado e diferente dos seus pares”. Lembro-me do caso de um rapaz que não tinha qualquer imagem positiva sobre a vida gay. Tinha falado com uma técnica de saúde mental que lhe dissera que as discotecas e bares eram apenas lugares de “engate” e que muito dificilmente os homossexuais conseguiam estabelecer relações duradouras. Esta era a única referência que tinha do que era ser-se gay …
Nos tempos mais recentes, cada vez mais, as pessoas recorrem à Internet como forma de trampolim ou catalisador para o seu desejo sexual. Felizmente, muitas pessoas já têm Internet em casa e podem, assim, recolher informações sobre as questões que as mais preocupam, sem terem que se expor ao “outro”. Infelizmente, nem toda a informação é a mais correcta e, neste caso em particular, se fizerem uma pesquisa com a palavra “gay”, num motor de busca, vão compreender o que quero dizer….

Na sua clínica, os “pacientes” procuram-no normalmente sozinhos ou acompanhados por amigos/familiares?
Normalmente as pessoas vêm sozinhas. Se for um problema de cariz sexual ou de relacionamento do casal torna-se imperativo a participação d@ parceir@ na Terapia. Noutros casos, só em situações especiais é que se torna relevante envolver a família.

Muitas vezes os familiares, não aceitando a orientação sexual dos jovens, tentam que os mesmos sejam acompanhados por psicólogos, acreditando tratar-se apenas de um devaneio momentâneo. Coloca-se aqui a questão se não serão os familiares a necessitar de acompanhamento?
Uma das maiores dificuldades na psicoterapia com gays e lésbicas é a exploração das relações com a família de origem. Situações em que inesperadamente foi identificada uma pessoa homossexual na família, normalmente é desencadeado todo um conjunto de crises familiares e pessoais quando os seus familiares não estavam preparados.
Raramente os pais imaginam a possibilidade de uma sexualidade “diferente” para os seus descendentes a não ser, eventualmente, quando surgem notícias desta temática (e.g. paradas e/ou casamentos gay). Perante tais eventos, geralmente, confrontam-se com questões como: “e se o meu filho/a ficar assim ?”. Todavia, este raciocínio esvai-se, na maioria das vezes, pouco tempo depois.
Na nossa sociedade, vivemos o “Mito da Família Heterossexual” que incorpora uma série de expectativas sobre como se deve desenrolar a vida de uma pessoa. Os que se atrevem a desrespeitar este mito são estigmatizados como “anormais” ou “fracassados”, assim como os próprios progenitores, uma vez que se considera que os filhos são o reflexo dos pais...
Um dos objectivos dos psicólogos é fazer com que as pessoas encarem as questões que lhes provocam sofrimento sob uma nova “perspectiva” e, neste ponto, faz sentido acompanhar os pais que se sintam perturbados, não para resolver o problema do filho em si, mas para dotá-los de novas formas de lidar e aceitar o filho que já não utiliza a “máscara da heterossexualidade”.

Com que frequência recebe familiares que se insiram nesta problemática?
Raramente surgem pessoas cujo problema esteja centrado na não-aceitação de um homossexual na família. Possivelmente “encontraram” novas formas para lidar com a situação, o que não quer dizer que tenham sido as mais correctas. Estou a pensar no caso das famílias em que, embora @ filh@ tenha tido a coragem para dizer que sente desejo sexual por pessoas do mesmo sexo, o assunto fica “arrumado” por aí e começa ser tabu no seio familiar.

Falando de terapia de casal, existem muitos casais homossexuais que o procuram? Os problemas de casais heterossexuais são os mesmos que se verificam com os casais homossexuais?
Os casais homossexuais apresentam, essencialmente, os mesmos problemas dos casais não homossexuais.
No entanto, existem algumas especificidades dos casais LGBT, como é o caso de conflitos que possam surgir pelo desentendimento na forma de manifestar o seu amor perante a sociedade. Em alguns casais, é frequente um dos membros aceitar-se melhor como gay/lésbica, não tendo problemas em divulgar @ parceir@ aos amigos e familiares como tal. Est@, por outro lado, pode sentir-se mais inibid@ em ter um comportamento semelhante, o que muitas vezes acaba por ser tema para acesas discussões.
Está provado que é bastante importante para os casais terem um suporte social estável. Quero com isto dizer que as vivências que os casais têm com os seus amigos e familiares acabam por cimentar a relação do casal em si mesmo. Muitos casais LGBT sentem a necessidade de “camuflar” a sua relação com receio da discriminação de que possam ser alvo por parte de familiares, amigos ou da sociedade em geral.Numa percentagem significativa de casais LGBT não existe um único amigo em comum, ou sequer, que conheça o outro elemento do casal.
Quantos de nós não conhecemos casais LGBT que não se assumem como tal apresentando @ parceir@ como “colega” ou “amig@”, mas nunca como “namorad@”?
Sendo assim, como poderão os outros servir como suporte se não sabem uma parte tão importante da vida destes casais?

Também na Opus Gay estão empenhados na criação de um grupo de intervenção terapêutico. Em que consiste este grupo e quais os principais destinatários?
O grupo terapêutico de auto-ajuda promove a construção da identidade sexual e da identidade de género através da partilha de experiências de vida e percursos pessoais, reconhecimento de características, semelhanças e diferenças permitindo a cada um o quebrar de sentimentos de isolamento libertando-se da aprovação e da reprovação social e afectiva. O grupo na sua interacção promove sentimentos de pertença e sedimenta a identidade e auto-estima proporcionando a auto-realização através da consciência de si e da auto-aceitação dos seus conflitos e projectos pessoais e está aberto a toda a comunidade LGBT, simpatizantes e familiares.
Infelizmente, ainda não conseguimos ter um grupo coeso de pessoas considerado suficiente para “arrancar” com o programa a 100%, tal como gostaríamos. Neste projecto conto ainda com a colaboração do meu colega Dr. José Antunes.

Como vê a sociedade portuguesa no que concerne a esta temática?
Não estamos tão atrasados como algumas pessoas nos querem fazer crer, mas ainda nos falta aprender muito para alcançarmos o desejado…

Qual é a melhor mensagem que pode deixar a todos os jovens LGBT?
“Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes mas, não esqueço de que a minha vida é a maior empresa do mundo, e posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise. Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história....
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...”
Fernando Pessoa

http://sexologia.no.sapo.pt
Tel: 969091221
Policlínica do Areeiro
Gabinete de Psicologia do Marquês de Pombal
BY

1 comentário:

Anónimo disse...

Será que Portugal não está assim tão atrasado no que diz respeito á educação sexual? Eu vivo em Londres, so Gay, e este verão disse aos meus pais que sou homossexual. A reacção foi do pior, embora eu ainda fale com a minha mãe. A conclusão que tirei é que a ignorância ainda é muita, e realmente não têm ninguem que os ajude. Os médicos onde estiveram devem ser certamente tão ignorantes na matéria como os meus próprios pais.
Acho realmente estranho como o Sr. Dr. Júlio Machado Vaz acha a homossexualidade uma doença.